Uma ameaça que é uma oportunidade. Ou vice-versa. Para todos os efeitos, o aumento da procura de artigos em segunda mão ou de coleções retiradas do mercado é uma tendência – que mistura preocupações de sustentabilidade com o impacto da inflação – a que não vale a pena resistir.
Com uma proverbial capacidade de adaptação às condições exógenas do mercado, as têxteis nacionais já se posicionaram para usufruir das vantagens e para combater as ameaças – sendo a principal uma possível diminuição das encomendas.
Para Luís Oliveira, CEO da WonderRaw, “o impacto do crescimento [deste negócio] será seguramente complexo e dependerá de fatores como a qualidade dos artigos em segunda mão, a predisposição dos consumidores para este produto, a facilidade com que são disponibilizados aos consumidores, etc. Para a indústria têxtil, haverá aspetos positivos (criação de novos negócios que prosperem com estes produtos, redução do impacto negativo da indústria têxtil no planeta), assim como negativos (desde logo uma eventual redução das vendas de novos produtos por força da transferência de intenções de compra para o mercado de segunda mão)”. Mas, disse ainda Luís Oliveira, “creio que a indústria têxtil irá saber adaptar-se e encontrar um modo de conviver com este mercado, quer seja pela oferta de novos produtos mais sustentáveis, quer pela aposta em medidas e programas mais focados no aumento da circularidade dos produtos têxteis”.
Para Alexandra Carneiro, administradora da Spring, “a abordagem mais sustentável que podemos atingir na indústria têxtil é conseguirmos que o nosso vestuário dure por um longo período. Na Spring, como fornecedores de vestuário de alta qualidade, orgulhamo-nos dos nossos produtos serem valorizados pela qualidade e durabilidade dos mesmos, inclusive no mercado em segunda mão. Como empresa, sentimos que futuramente, o consumidor optará não só por comprar vestuário novo, mas também em segunda mão”
Já Sofia Vale, CEO da Elav, o mercado de segunda mão “efetivamente está a crescer muito baseado na sustentabilidade. Nas empresas, irá ter um impacto a longo prazo”. Admitindo que o impacto da segunda mão será maior no segmento do luxo, o novo negócio “ainda está muito no início e portanto talvez afete as empresas num futuro mais longínquo”. E afirma que o impacto na produção “não será a sua diminuição, mas sim crescer num ritmo mais brando”.
ÂNGELA MARINHO, GESTORA DA MARINHO & MACEDO: “IRÁ OBRIGAR A UM AJUSTE DA INDÚSTRIA TÊXTIL, COM EXTINÇÃO DE EMPRESAS”
De qualquer modo, é um ponto sem retorno: “as empresas já estão a aproveitar tudo o que sombra, mesmo as grandes. Como uma Zara, que já está a implementar nos seus postos de venda roupa em segunda mão, e claro que temos de acompanhar e reinventar-nos”.
O diretor comercial da Paula Borges, Paulo Faria avisa: “se vamos começar a ver locais de compras de roupas em segunda mão, ou nos alinhamos com essas novas tendências, ou então teremos um sério problema pois vamos ter as nossas encomendas a decrescer substancialmente”. “Vejo isto como uma ameaça séria”, admite. E exemplifica: “tenho três projetos dessa tipologia de produto, um holandês e dois dinamarqueses, onde compram os stocks e depois transformam-nos em coleções com valor acrescentado. Honestamente, não aposto muito nesta tipologia de produto ou mentalidade. Não sei se isto terá pernas para andar, sou um bocado cético a este tipo de negócio”. “Mas temos de estar atentos”, concluiu.
Para Marco Costa, diretor comercial da Cristina Barros, “o crescimento do mercado de segunda mão no sector têxtil teve um impacto muito positivo no que toca ao papel da promoção da sustentabilidade e de uma economia circular. De facto, criou uma barreira ao modelo de negócio ‘fast fashion’” – que é precisamente o caminho que a Cristina Barros segue desde sempre.
Já Ângela Marinho, gestora da Marinho & Macedo, afirma que “o crescente interesse pelos mercados de segunda mão é algo previsível e inevitável pelo igualmente crescente interesse pela sustentabilidade ambiental. Na ótica do consumidor, a forma mais sustentável de operar relativamente ao consumo de vestuário passa inequivocamente pela reutilização de vestuário previamente utilizado”. O futuro está previsto: “o impacto para a indústria têxtil far-se-á sentir apenas quando este movimento se tornar massivo. Atualmente, penso que o impacto será reduzido, ou quase nulo, fruto do ainda muito significativo peso que as influencers de moda suscitam no público, incentivado o consumo dos seguidores, no fundo, apenas para se incluírem naquele que é o padrão vigente na nossa sociedade atual: as ‘fashion victims’.
SOFIA VALE, CEO DA ELAV: “EFETIVAMENTE ESTÁ A CRESCER MUITO BASEADO NA SUSTENTABILIDADE. NAS EMPRESAS, IRÁ TER UM IMPACTO A LONGO PRAZO”
E Ângela Marinho deixa uma ‘premunição’: “apenas quando a preocupação coletiva ambiental for superior à importância que se dá a ‘estar na moda’ e consequentemente ao consumismo, apenas aí a indústria têxtil reconhecerá o impacto”. O que “irá obrigar a um ajuste da indústria têxtil, com extinção de empresas; mas, como tudo no universo é absolutamente perfeito, outros negócios surgirão, e quem sabe?, mais ‘eco-friendly’”.
O head of finance da TMR Fashion Clothing, Migue Máximo, admite que “se o mercado não crescer na globalidade e passar a haver um concorrente que é a segunda mão, o princípio é dizer que se produzirá menos”. Ou talvez não: “aquelas peças que nem sequer chegam à segunda mão é que deixarão de ser produzidas. No que concerne à minha empresa e a Portugal, que produz peças com maior qualidade, poderá até potenciar o nosso crescimento”. E deixa a receita ‘de combate’: “devemos continuar a apostar em produtos bem feitos, com boas construções e para durar. Estamos a trabalhar internamente para tentar medir e aumentar o ciclo de vida dos nossos produtos. Toda a gente já percebeu que isto não vai lá só com algodão sustentável, passa pela redução do consumo e pela compra de produtos melhores”. Para Miguel Máximo, “não vejo porque não, é uma oportunidade de negócio para nós, fazer um pequeno arranjo para peças praticamente perfeitas” – mesmo que admita que “o impacto na indústria têxtil global do mercado em segunda mão pode ser considerável“.
Finalmente, José Armindo, CEO da Inarbel, considera que as vendas em segunda mão “não são uma ameaça”. Em primeiro lugar, “porque as questões ambientais são importantes” e não podem ser bloqueadas por outros interesses, mas também porque “há ali uma oportunidade nova, um novo negócio”. Juntando a teoria à prática, a Inarbel não perdeu tempo: lançou este mês aquilo a que chamou o ‘Open Day’, onde a sua empresa coloca no mercado restos de coleção que não chegaram ao mercado e que, depois de um restyling regressam ao mercado a preços convidativos.