A teoria segundo a qual é nos momentos de crise que devem fazer-se investimentos costuma esbarrar de frente com a crueza dos balanços anuais das empresas. De algum modo, pode ser isso que está mais uma vez a suceder com a iniciativa da Comissão Europeia de mudar o paradigma da produção têxteis comum aos 27: o plano é genericamente aplaudido pelo sector, descobrem-se-lhe as virtudes e a necessidade, mas a entrada de encomendas acumuladas no primeiro semestre do ano aconselha, ou pode aconselhar, alguma contenção: a sustentabilidade não pode colidir com a competitividade.
Mário Jorge Machado, presidente da ATP, deu o mote quando, nas páginas do T Jornal, deu à estampa um artigo de opinião que alertava para a eventual discrepância entre os planos europeus para a sustentabilidade e a necessidade de manter a competitividade das empresas. No limite, a primeira condição da sustentabilidade das empresas é a sua existência!
Para o presidente da ATP, recentra a questão: é mais uma questão do Parlamento Europeu que da Comissão. “O último relatório do Parlamento não diferencia o esforço que o têxtil e do vestuário europeu tem feito em relação aos seus congéneres mundiais. Não foram capazes de perceber a transformação que foi feita na Europa em termos de sustentabilidade e da desfossilização da economia. O Parlamento Europeu tem de perceber que há diferenças substanciais entre a forma como o têxtil e vestuário europeu produz e a forma como o fazem outras zonas do mundo – nomeadamente na utilização de energias renováveis, versus outros países que ainda fazem a sua produção a partir de combustíveis fosseis e não estão a contribuir para a diminuição de CO2. É esta perceção que me deixou incomodado, esta falta de capacidade de separar as situações”.
A falta deste reconhecimento implica a tentativa de impor metas e páginas de Excel sem o necessário ajuste à realidade. O que é grave na ótica de António Amorim, presidente da CITEVE: a Europa “deve ter um pouco mais de atenção ao que se passa nos mercados e à situação do sector. A altura não é favorável e os custos estão extraordinariamente elevados. A sustentabilidade está muito bem, mas é preciso muito dinheiro. No caso português há vários projetos na área, mas o financiamento não chega como devia nem no tempo devido”. Para António Amorim, “a tendência é para atrasar. Não tenho dúvidas que vai ser muito difícil cumprir os prazos que estão estipulados – mesmo dos próprios projetos. Até porque há o problema das amortizações dos equipamentos, os fornecedores de equipamento retardam as entregas, os equipamentos têm de ser pagos à cabeça… A Comissão Europeia tem de ter em consideração todos estes fatores”.
HÉLDER ROSENDO: É MAIS DIFÍCIL PORQUE ESTAMOS NUM PERÍODO EM QUE AS COISAS ESTÃO UM POUCO MAIS BRANDAS, MAS A SUSTENTABILIDADE NÃO VAI VOLTAR ATRÁS
E aponta para outro problema: “não é um caso isolado do nosso país. Ou seja, vão ter de alargar os prazos. É preciso bom-senso”.Ao problema da inflação acresce a dependência energética da Europa, como disse José Alberto Robalo, presidente da Associação Nacional dos Industriais de Lanifícios. “Querer atingir certas metas sem ter em conta estes fatores e um bocadinho irreal. E há outro problema: não queria que sucedesse com a sustentabilidade aquilo que sucedeu há uns anos com outro programa que pretendia irradiar do mercado europeu produtos que causam problemas acabou por não resultar em nada, porque esses produtos continuavam a chegar através das importações. Não gostaria que, com a sustentabilidade, sucedesse o mesmo. Temos de cumprir metas sustentáveis tanto ambientalmente como socialmente, o que acho muito bem, mas temos também de exigir a quem queira vir para a Europa proceda do mesmo modo. Pensemos na quantidade de plástico que entra nas fronteiras europeias e que temos de ser nós europeus a reciclar. Entretanto, exigimos às nossas empresas. A exigência é boa, mas não podemos fazê-lo contra as empresas europeias – e depois nada exigimos àquelas que exportam para cá tudo o que tem de ser reciclado”, concluiu.
Para Paulo Melo, CEO do grupo Somelos, não é só na sustentabilidade que as contas da União Europeia por vezes saem ‘furadas’. “Acontece a União Europeia dizer que as coisas têm um custo associado e por vezes outros países vão com um ritmo mais lento e vão fazendo as coisas com outro tipo de custos. Quem quer ser o primeiro tem de ter capitais para isso, para fazer acontecer. ´´E preciso perceber se existe essa necessidade: fazer para hoje é sempre mais caro”. Ou seja, disse, se se diluírem riscos de investimento com outros componentes da cadeia de valor, talvez a fatura final não seja tão elevada. A sustentabilidade “é um caminho que tem de ser seguido; agora, o ritmo tem de compreender uma certa prudência: o sector têxtil é um sector muito particular e não podemos estar a prejudicar a própria competitividade das empresas.
ANTÓNIO AMORIM: A EUROPA DEVE TER UM POUCO MAIS DE ATENÇÃO AO QUE SE PASSA NOS MERCADOS E À SITUAÇÃO DO SECTOR
Vendemos para um mercado global e a medida da nossa competitividade é feita a essa escala. A sustentabilidade não pode colidir com a competitividade”, afirmou Paulo Melo.
Já Hélder Rosendo, business director do grupo TMG, considera que o tempo não corre a favor de mais demoras. “Desde a maior procura por sustentabilidade, da maior procura por produtos que respeitem os princípios da economia circular, pelos reciclados, por tudo o que seja produtos com menor consumo de recursos, tudo isso vai manter-se e as empresas vão ter de se habituar que vão ter de cumprir com essas demandas que vêm dos clientes, independentemente do momento menos bom que economicamente possamos estar a atravessas. Não acredito que haja um volte-face, um drow-back, que de repente, por causa desta situação menos positiva neste último trimestre em particular, que as empresas abandonem a estratégia da sustentabilidade. Porque as próprias marcas não as vão abandonar”.
Para este responsável, as feiras provam esse sintoma: quer em Milão quer em paris, “sentimos essa vontade e essa procura por soluções mais sustentáveis e acima de tudo pela credibilidade daquilo que se vende como sustentável, e esse é um aspeto muito importante: tudo o que gravita à volta do greenwashing. Isto não vai voltar atrás. É mais difícil, obviamente, porque estamos num período em que as coisas estão um pouco mais brandas que o espectável, mas não vai voltar atrás.
Nesse contexto, para Hélder Rosendo, “o que é importante é perceber isto: a Europa gosta muito de ir à frente, de cumprir tudo e de exigir tudo, mas depois deixa entrar no seu espaço produto que sabemos muito bem que não cumpre minimamente com muitas das exigências europeias. E isso é uma questão de justiça em termos de competitividade, com mercados que nos fazem frente”.